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Colégio Santo Agostinho

Aprendendo a aprender

Não há pedra no caminho

Esses caminhos acidentados, irregulares, com instabilidade e surpresas não existem mais para uma parcela das crianças e adultos que vivem […]

04/03/2024 | POR Aleluia Heringer

LEITURA: 2 MIN.

Esses caminhos acidentados, irregulares, com instabilidade e surpresas não existem mais para uma parcela das crianças e adultos que vivem nos centros urbanos

Entre os 6 e 9 anos de idade, eu percorria a distância de 5km da minha casa até o grupo escolar. Uma parte a pé e a outra de ônibus. Me acompanhava uma irmã ou irmão mais velho. Nesse meu caminho, existiam várias pedras e isso não é uma metáfora. Uma delas foi a pedrada na testa vinda de um estilingue de um desses meninos “donos da rua”. Segui meu caminho sem manifestar fraqueza; afinal, seria pior. Voltar para casa, retroceder, nunca foi opção.

Segui, então, para o Jardim de Infância e lá me lembro de uma mulher apertando o enorme “galo” com a superfície de uma faca fria. Nessa cena, eu e essa pessoa. Não me recordo de meus pais tirando satisfação com a família do agressor ou me buscando na escola.

A outra pedra no meio do caminho foi o tombo que levei ao passar pela rua da britadeira. Era uma instalação para quebra de granitos trazidos de pedreiras. Caminhões despejavam granitos numa esteira que trepidava e resultava em pedras menores para utilização na construção civil. A rua, que não era asfaltada, tinha muito cascalhos soltos. Tropecei, caí e fiquei com o uniforme sujo e sem condições de seguir. Voltei em casa, troquei de roupa e fui para a escola. Cheguei atrasada e sem uniforme. Não sei qual a justificativa que minha irmã deu, mas, infelizmente, me deixaram entrar. Melhor seria se não tivessem permitido. Tudo o que eu não queria era atrair os olhares e ouvir comentários; afinal, chegou a Aleluia (risos), ainda mais sem uniforme.

Esses caminhos acidentados, irregulares, com instabilidade e surpresas não existem mais para uma parcela das crianças e adultos que vivem nos centros urbanos. Não há pedra no caminho. Foram retiradas. As arestas, arredondadas. O chão, alisado e, se possível, emborrachado. Sumiram com o contragosto, tristeza e frustração. O que nos resta é a simulação, empobrecida e artificial de aventuras, todas cuidadosamente acompanhadas, com hora marcada e monitoradas, sendo grande parte delas promovida pela escola.

Uma dessas práticas chamamos de “enturmação”. Acontece em todo início de ano letivo, principalmente em escolas de grande porte. Isso porque estudantes pedem transferência e novatos chegam ou, então, por questões de equilíbrio entre as turmas ou razões pedagógicas. A criança ou adolescente terá que se situar nessa nova configuração. Pode haver frustração, insegurança ou tristeza com a novidade ou por não permanecer com o melhor amigo.

Esses são sentimentos comuns sempre que vivemos uma primeira situação, seja de aula, de emprego, de mudança. Essas micro experiências são proporcionais à capacidade da criança de suportar, além de prepará-la para o desafio seguinte. Contudo, todos os anos, esse processo vem cercado de reclamações e interferências dos pais, que sofrem como se fossem eles o estudante. Não dão respiro e tempo para o filho viver a experiência, passar pela frustração, encontrar forças dentro de si para a adaptação e sentir a alegria da superação.

Esse é um exemplo de pedra artificial que, na ausência de outras mais reais e cortantes, tem uma função educativa e pedagógica. Antes de retirá-las, seria prudente e sábio entender qual o seu propósito de longo prazo e em que medida deixará a criança mais forte e confiante em si.

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