Educar para transformar
O torto, o sujo e o errado
Aquilo que está na sociedade atravessa suas estruturas e instituições; daí a escola ser palco de eventos lamentáveis de violência […]
11/04/2023 | POR Colégio Santo Agostinho
Colaborou com este post:
Aleluia Heringer Lisboa
Diretora de educação, relações institucionais e ASG do Colégio Santo Agostinho
Aquilo que está na sociedade atravessa suas estruturas e instituições; daí a escola ser palco de eventos lamentáveis de violência extrema. Não é isso que presenciamos nas redes sociais, no trânsito, nos palanques e púlpitos? Não há, como nunca houve, blindagem nem muro alto que consiga impedir a entrada de todas as nossas mazelas que chegam com as próprias pessoas. O que muda é a intensidade e a frequência com que estamos lidando com comportamentos extremos, que ameaçam a vida e a integridade física de crianças e jovens, exatamente no local que esperávamos ser o mais seguro. Daí nossa perplexidade misturada com uma tristeza cósmica.
Não chegamos a esse estado em um estalar de dedos. Construímos, lentamente, uma desqualificação do espaço escolar, dos educadores e da educação. Para além disso, renunciamos a dispositivos civilizatórios e entregamos as infâncias e juventudes ao mundo virtual, sem nenhuma resistência, filtro ético, moral ou da verdade. Vamos nos dando conta de que a agressividade vai para além do punhal e tem outras facetas e ícones.
Escola, como espaço formal de educação, precisa fazer valer de todos os meios disponíveis para educar. Ali, crianças e jovens crescem juntos, se relacionam e se entendem. Mesmo tendo quase todas as variáveis controláveis e monitoradas, é na escola que as coisas acontecem e isso se deve ao fato de lá ter gente, muita gente.
A todo momento, estamos diante de situações de conflito, tais como: a bolsinha de lápis que sumiu; o dinheiro encontrado e não devolvido; o empurrão no Afonso; o caso do racismo; a derrota no jogo; a menina que não lhe corresponde; a cola de matemática dentro do bolso; o furar a fila da cantina; o bullying e mais inúmeras outras situações. Foi assim há 60 anos e será assim hoje e amanhã.
Entendam: é exatamente naquilo que consideramos torto, sujo, inadequado e impróprio que educadores precisam atuar, tratar, ensinar e não apagar as provas da cena escolar, muito menos considerá-las como delitos. Onde faltam as virtudes, as boas atitudes e os valores, ali se encontram as oportunidades da educação. Bani-los é excluir a substância do trabalho educativo. É matar a própria escola. Se a família ou a escola, de forma rápida, lança um balde de água sanitária “no sujo”, aplica o martelo “no torto” e passa o corretivo naquilo que saiu errado, acaba removendo a lente e a possibilidade que nos permitirão dar à questão o devido trato pedagógico, formativo e educativo, preferencialmente, entre as partes envolvidas: aqui, as crianças ou jovens.
Ao contrário do que acontecia na rua de nossas infâncias, com suas sombras, perigos e desafios, oferecemos hoje a assepsia e uma proteção que desprepara, cria distorções e fantasmas que nos assombram.
Atuar nesse contexto é possível e passa pela consciência de que precisamos devolver às crianças e jovens um espaço mínimo para que se conheçam e se situem. O que não podemos é retirar do sujeito da ação, seja de 3 ou 18 anos, a reflexão e responsabilidade sobre a própria ação e a participação ativa nos processos restaurativos, tudo isso, mediado pelos adultos. É nesse processo lento, recorrente e incansável que reside o âmago da educação. Nos exíguos tempos e espaços que ainda restam, poderíamos nos esforçar e devolver a eles esse protagonismo e respiro para que também tenham as suas defesas e histórias.